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quinta-feira, 26 de julho de 2012

 Sim, eu mudei. Para pior, é verdade. Às vezes, pequenas coisas do cotidiano me denunciam que uma transformação se deu em mim, de fato. Elas me espantam, me surpreendem e me fazem sorrir.
 Percebi que estava realmente enjoada das músicas de sempre na memória do meu celular. Porque elas eram muito calmas, ou muito revoltadas, ou muito tristes... e eu queria ouvir músicas mais dançantes e alegres. Depois de baixar várias coisas, as novas e as antiguissimas do tipo que eu não ouvia há tempos, elas começaram a fazer o meu dia mais ameno ou mais divertido, com seus ritmos fortes, suas letras otimistas ou mesmo tolas. Uma moça rindo no ônibus a caminho do trabalho, sozinha com seus próprios pensamentos e fones.
 Um dia eu comecei a reparar que o meu guarda-roupas tem ficado cada vez mais colorido, com cores alegres ou claras. Tantas coisas que eu achei que jamais usaria... de repente, tenho uma peça de roupa amarela. E isso me fez pensar: "há uns tempos atrás, eu teria visto esta blusa na vitrine e dito 'é bonita, mas eu jamais usaria isso'. Mas, vou sair com ela hoje. Que estranho!". É estranho não estar mais sempre de preto ou cores sóbrias. Mas eu não decidi que mudaria isso. Aconteceu de modo espontaneo...
 Da primeira vez que me ouvi rir alto em muito, muito tempo, eu estanquei o riso de vergonha. Porque é claro que eu ia parecer escandalosa, até ridícula, rindo daquele jeito. Mas com o tempo, parei de estranhar o som da minha própria voz sorrindo. E hoje já é quase normal. Eu tive que reaprender a rir sem culpa, e atualmente eu faço isso, e é uma pequena vitória, embora seja perfeitamente natural para quase todas as outras pessoas do mundo. Ainda sou séria. Mas talvez já nem tanto...
 Mas a transformação mais surpreendente é que eu finalmente aprendi a dançar. Sim!, eu aprendi a dançar, mas como? Não sei. Só sei que eu comecei a me sentir no direito ou talvez até no dever de ir a baladas, como nunca fui na minha adolescência. Tinha tanta inveja daquelas jovens bonitas, desenibidas e populares com os rapazes... bem, ainda tenho. Ou sou, ou fui, uma garota feia, tímida, inibida com o próprio corpo, que bem que tentava, mas não conseguia se soltar ao som da música eletrônica - passos ensaiados, uma coreografia, eu tirava de letra. Mas esse negócio de se requebrar sem regras e sem script no ritmo da música? Eu não conseguia.
 Aquelas garotas alegres e bem-resolvidas - estou me transformando numa delas? Será? Só sei que se operou um pequeno milagre na quarta ou talvez quinta vez que eu saí à noite depois de anos de reclusão. De repente, eu estava dançando. E cada vez mais rápido. E cada vez menos inibida. E cada vez com passos mais ousados. E de forma cada vez mais sensual. E, finalmente, eu não estava mais raciocinando sobre - eu estava simplesmente sentindo. Era mesmo eu? Não, era uma nova pessoa. Mais segura de si, mais feliz.... como eu sempre achei que merecia ser, mas como poucas vezes me senti capaz. E então, lá estava eu, sendo fotografada dançando. Para que houvesse sempre um registro que lembrasse para mim mesma que de fato aconteceu. E todas aquelas fotos de thin inspirations alegres... eu passei a ser uma delas?
 Sim, eu mudei para pior - e paguei um preço por tudo isso. Sem que ninguém venha me apontar o dedo, eu já me ferrei bastante para conquistar essas mudanças. Minhas notas estão baixas, meus livros para ler estão se acumulando em montes que parecem que nunca vão ter fim, eu trabalhei em escala 6 x 1 ao longo de 2 anos e quatro meses, aos sábados, domingos e feriados. Torrei todo o dinheiro que recebi por isso, e nunca estive tão dura. Deixei meus sonhos para 2 anos e quatro meses mais tarde do que eu poderia realizá-los. Engoli a verdade quando estava certa, ouvi gente me desrespeitando sem poder revidar, me deixei pisar, eu sacrifiquei quase até a minha dignidade.
 E mais importante que tudo, minha consciência me incomoda, me condena. Como nenhuma pessoa que diga "você não é mais a mesma" em tom de acusação jamais conseguiria condenar. Porque a condenação que eu faço a mim mesma é a mais severa de todas.
 Só que ninguém é obrigada a insistir em erros para preservar uma dita coerência ou não ser chamada de hipócrita. Eu mudei o corpo, e parece que isso está mudando o espírito. E quem achar que foi uma mudança para pior, bem, ninguém pagou o preço alto de ser quem eu fui, para poder me dizer que é uma mudança para pior ser quem eu sou hoje.
 É por isso que hoje eu volto para dizer a vocês: lutem pelos seus sonhos. As pessoas vão condenar, a gente se cobra a coerência, mas isso não é importante. Ser feliz é mais.
 Anorexia e bulimia são doenças. Se as pessoas de quem vocês gostam, aquelas que parecem ser as únicas que te entendem, querem que vocês continuem como estão, bem, às vezes a gente tem que perder pessoas queridas, como eu também perdi, para ir atrás do que queremos e precisamos. E quem realmente vale a pena vai ficar na sua vida. E outras pessoas vão aparecer. Lutem pela beleza, mas lutem também pela própria saúde. Lutem pela própria vida. Lutem pela felicidade.
 IMC = 15,80. 280ml de silicone. Guarda-roupas novo, sapateira nova, vida nova. E saudável. Vocês também podem. Por favor, empreguem a mesma força necessária para um nf em protegerem a própria vida e a própria saúde. Magreza sem ana e mia é possível. Para vocês também. Acreditem, lutem. Por favor.

 "(...) também brotam asas dos meus pés, das mãos, começo a rodopiar (...), danço sozinha pela alegria de dançar e me sinto livre pela primeira vez na vida... Sorrio de prazer, sinto vontade de gritar 'Pronto, olha, tenho o dom. Aconteceu: olha! É o milagre de Lourdes, não estou mais paralisada...' É como se eu tivesse me livrado de um sortilégio, do remorso lancinante de nunca ter me aventurado. Nunca soube? Nunca consegui? Nunca entendi o que me bloqueava desde a adolescência. Uma timidez doentia? Vergonha de ter um corpo de mulher? A recusa da sedução, inculcada nas (...) escolas cristãs (...)? Sim, tudo isso. Mas por que essas noções que eu rejeitava e condenava havia tanto tempo continuavam impressas em meu comportamento? (...) E ninguém para me dizer: 'O que há com você (...)? Está bêbada ou o quê?'"

 Do livro Um toque na estrela, de Benoîte Groult